Virgílio Viana foi convidado pela ONU para coordenar a definição de indicadores e metas relacionados a florestas nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
Um brasileiro está entre o grupo que ajudará a definir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), uma atualização dos Objetivos do Milênio (ODM), lançados em 2000. Virgílio Viana, superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável, foi convidado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para coordenar a definição de indicadores e metas relacionados a florestas. Único representante brasileiro, ele é copresidente do grupo temático Florestas, Oceanos, Biodiversidade e Serviços Ambientais, que reúne acadêmicos especialistas na área. O documento preliminar, intitulado Agenda de Ação para o Desenvolvimento Sustentável, esteve disponível para consulta pública até o dia 22 de maio no site da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, período em que recebeu comentários e sugestões.
Engenheiro florestal, PhD em Biologia da Evolução pela Universidade de Harvard e pós-doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade da Flórida, Viana defende que as medidas para a preservação são urgentes, e que o planeta já não pode esperar. “Atingimos o limite da capacidade de o planeta responder à degradação. Há um ponto a partir do qual não é possível retornar”, alerta o especialista. Ele destaca que o principal objetivo do documento é criar uma rede de soluções para problemas imperativos e fomentar a sustentabilidade.
Confira, abaixo, a entrevista completa.
Terra – Qual a principal diferença entre este conjunto de indicadores que serão atualizados em relação aos objetivos desenvolvidos nos anos 2000? Virgílio Viana – Até 2015, se encerram os Objetivos do Milênio, e esses novos indicadores vão ampliar os ODM e devem ser cumpridos até 2030. A principal novidade é a ênfase maior em temas ambientais. Os últimos objetivos eram bastante voltados a temas sociais, e estes seguem importantes, ainda que tenham ocorrido avanços. É importante ressaltar que esse documento que está sendo produzido vai subsidiar a negociação política, então, muitas coisas podem mudar. O documento ainda pode ser modificado, e não significa que as autoridades vão acatar.
Terra – Desde que os ODM foram criados, quais foram as principais mudanças no cenário mundial que levaram a essa ampliação no foco ambiental? Viana – Principalmente a constatação de que nós atingimos o limite do planeta, da capacidade do planeta de responder à degradação. Há um ponto a partir do qual não é possível voltar atrás. É como um “joão bobo”, que vai e volta, mas que, nesse caso, chegou em um determinado momento que pode não retornar. Alguns casos, como as geleiras do Ártico, provavelmente não têm volta. Elas vão derreter. A Amazônia também está próxima do limite, se tivermos entre 20% e 30 % de desmatamento, vai entrar em colapso. Essa é a constatação de que o bem estar humano está ameaçado pela ação humana. A boa notícia é que existem soluções, e é isso que essa iniciativa está focando, não apenas escrever um documento base para a discussão do desenvolvimento sustentável, mas fomentar rede de soluções para a sustentabilidade, estimular empresas a se moverem antes de serem obrigadas por lei.
Terra – Quais dos indicadores previamente estabelecidos avançaram?
Viana – Houve avanços, eu diria que um grau cada vez maior de consciência ambiental da população vem pressionando governos a criar regulamentações. No Brasil, por exemplo, houve o aumento de unidades de conservação na Amazônia. Isso mais do que dobrou nos últimos anos, e é significativo. Claro que só criar não é suficiente. As políticas econômicas também têm se voltado para a questão ambiental, e o Amazonas é um bom exemplo disso – há várias políticas de desoneração tributária para iniciativas sustentáveis. Às vezes, as iniciativas demoram a ser implementadas, mas o sentido disso é importante. Acontece que a grande questão é a urgência, e a dúvida é se essa conscientização e essa mudança estão ocorrendo na velocidade necessária.
Terra – Qual a perspectiva para os próximos 15 anos no que diz respeito à questão ambiental no Brasil? Viana – Talvez uma outra mensagem importante dessa iniciativa seja a necessidade de valorar serviços ambientais, e isso está sendo tratado no Brasil. As florestas e oceanos, por exemplo, prestam papel muito importante, além da produção de frutas e peixes, provêm oxigênio, armazenam carbono, mas não são objetivos físicos palpáveis. Esses serviços ambientais talvez sejam a principal falha da economia de mercado, que não considera externalidades. Se você produz determinado produto que polui o rio, o custo dessa poluição não está embutido no produto, e deveria estar. É necessário desenvolver mecanismos para que aquele que polui pague, e o que gera serviço ambiental receba.
Terra – Quais são as principais discussões dentro do grupo Florestas, Oceanos, Biodiversidade e Serviços Ambientais? Viana – As coisas parecem simples, mas não são. É difícil dividir os desafios do mundo em 10 capítulos. Temos o tema das indústrias de mineração, e isso gerou uma polêmica para definir em qual capítulo iria entrar, e acabou entrando no nono (Serviços Ecossistêmicos Seguros, Biodiversidade e Gestão Adequada dos Recursos Naturais ). Você e eu consumimos vidro, que está ligado à mineração. Como fazer com que essa mineração tenha pegada social positiva e uma pegada ambiental menor? Não há sustentabilidade do recurso renovável nessa área. Como fazer boas práticas? Essas são outras discussões.
Terra – Qual a dinâmica do grupo de trabalho? Viana – Agora estamos elaborando um documento entre 30 e 40 páginas para cada objetivo do desenvolvimento sustentável. Nós estamos colocando a visão científica sobre o todo. O meu olhar, por exemplo, não será apenas sobre florestas tropicais. Tem uma discussão importante com agronegócio brasileiro que é: é possível compensar desmatamento? Uma das questões mais fortes relacionadas às florestas é se vamos conseguir construir um consenso em torno do desmatamento zero. Porque nós estamos com o paciente já na UTI, com o pé na cova. E ainda há gente que segue desmatando, e esse é um fator que diminui os serviços ambientais.
Terra – Quais os maiores desafios na elaboração dos objetivos? Viana – É difícil definir a ênfase que deve ser dada aos oceanos e cerrados, por exemplo. Como dosar os esforços, já que os recursos são limitados? O que é mais importante? A resposta certa é que tudo é importante.
Terra – Como um documento como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável pode mudar efetivamente a forma como países tratam a questão ambiental? Viana – A história dos Objetivos do Milênio nos mostra que esse tipo de iniciativa tem um papel importante. Ninguém vai com chicote cobrar que objetivos sejam cumpridos, mas no momento em que se cria uma meta, as pessoas começam a se mobilizar, no sentido real, não só apenas os governos. As florestas, por exemplo, não envolvem apenas os governos estadual, federal ou municipal. Tem a sociedade, o consumidor também tem um papel importante. Ele deve ter conhecimento da pegada ecológica de um produto e a partir daí tomar a decisão de comprar ou não. Quando uma meta tem grande publicidade, como ocorre com os ODM, as pessoas pensam como podem contribuir. Nesse sentido, ter uma utopia com consenso e consistência científica pode ajudar. Por isso convidamos a sociedade a contribuir e enviar comentários, ajudar a construir esse documento.
Fonte: Notícias/Terra